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ARTIGO DA GAZETA: A Bíblia do Peregrino

schedule Monday, 12/05/2025 as 09:58

            A Bíblia do Peregrino (Paulus), elaborada por Luis Alonso Schökel (1920-1998) renomado intelectual espanhol, chama a atenção das pessoas, de um modo especial, por suas abundantes notas de rodapé a quase comentar versículo por versículo da Sagrada Escritura. Isto é muito válido. Traz, todavia, pontos merecedores de atenção. Aqui, apontamos, a título de ilustração, quatro deles.

            Nosso Senhor foi tentado ou provado no deserto (cf. Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13)? – Para Schökel, Jesus não foi tentado pelo diabo, mas apenas posto à prova. Sim, em comentário ao capítulo 4, versículos 1 a 11, de Mateus, escreve ele que as tentações do Senhor, na verdade, “são provações”. Ora, assim procedendo, o grande erudito espanhol cai no erro básico de confundir duas realidades que a clássica espiritualidade católica distingue muito bem. Afinal, provação não é tentação e, por conseguinte, tentação não é provação. 

            Com efeito, escreve o Pe. Adolphe Tanquerey, célebre estudioso das etapas de progresso na vida espiritual, o que segue: “As provações providenciais, físicas ou morais, como a doença, os lutos de família, as angústias da alma, os reveses da fortuna, são muitas vezes acompanhados de graças internas que nos estimulam a uma vida mais perfeita. Desapegam-nos do que não é Deus, purificam a alma pelo sofrimento, fazem-nos desejar o céu e a perfeição que é o caminho para lá, contanto que a alma tire proveito dessas provas, para se voltar para Deus” (Compêndio de Teologia ascética e mística. 6ª ed. Porto: L.A.I., 1961, n. 428). Já “a tentação é uma solicitação para o mal, proveniente dos nossos inimigos espirituais” (idem, n. 901). Em suma, as provações não induzem ao pecado, mas testam o ser humano a fim de que ele melhor confirme a sua fé e se exercite no amor. Já a tentação é o aliciamento para o pecado. Deus, no entanto, nos dá forças para resistirmos a essas terríveis investidas malévolas (cf. 1Cor 10,13).

            Outro ponto estranho, mas infelizmente bastante comum nos últimos tempos, é a facilidade que se tem – com ou sem base para tal – em negar a possessão diabólica e, por conseguinte, o exorcismo. Sim, os possessos encontrados por Nosso Senhor seriam meros portadores de doenças neurológicas ou psiquiátricas. Esta parece ser a teoria de Schökel ao apresentar Lucas 9,37-43 (cf. nota); 4,31-37, ainda que, no vocabulário de notas temáticas, trate do diabo de modo sóbrio e fiel à doutrina católica (cf. p. 2572). Que dizer?

Respondemos que, de fato, algumas doenças poderiam assemelhar-se a um caso de possessão diabólica (cf. Mc 1,34; Mt 8,16-17; Lc 6,18), mas Lucas mesmo, conforme a excelente tradução da Bíblia de Jerusalém, distingue cura de doenças e exorcismo de possessos: “Ao pôr-do-sol, todos os que tinham doentes atingidos de males diversos traziam-nos, e ele, impondo as mãos sobre cada um, curava-os. De grande número também saíam demônios gritando: ‘Tu és o Filho de Deus’. Em tom ameaçador, porém, ele os proibia de falar, pois sabiam que ele era o Cristo” (Lc 4,40-41). Ver: Catecismo da Igreja Católica n. 517, 550 e 1673.

            Em Lucas 2,7, esperava-se uma nota sobre o termo primogênito atribuído a Jesus, pois sem tal explicação, poder-se-ia ter a falsa impressão de que, depois d’Ele, a Virgem Maria teve outros filhos. Ora, isso é errôneo, pois primogênito quer dizer, no caso, bem-amado (cf. Lc 2,22; Ex 13,2; 34,19) ou mesmo unigênito (cf. Zc 12,10-11).

            Na nota de Mt 16,13-20, embora se jogue com os dois termos – templo e povo de Deus – deveria usar Igreja (assembleia), não igreja (construção). Como quer que seja, a explicação de Schökel a respeito do primado de Pedro é deveras interessante e válida.

            Eis a Bíblia do Peregrino! Traz extensos e oportunos comentários, mas também algumas lacunas. Lacunas que não a desmerecem.

 

           Por:  Vanderlei de Lima é eremita de Charles de Foucauld.

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